Por Ariovaldo Ramos
Igreja que se centraliza em missões influencia, muda, faz e fica na história.
"Disse Jesus: 'Toda autoridade me foi dada no céu e na terra, ide portanto e pregai o evangelho a toda a criatura' ". Como Jerusalém reagiu à universalidade dessa convocação?
Reagiu de forma muito morosa.
Pedro vai a Cornélio depois de um trabalho imenso do Espírito Santo para convencê-lo, com muita relutância. Não bastasse isso, ainda é chamado pelos líderes da Igreja em Jerusalém, onde é instado a apresentar um constrangido relatório sobre a pregação do Evangelho a gentios. Eis a crise que Jerusalém teve com o chamado de Cristo para a evangelização do mundo.
Signo da missão
A Igreja de Jerusalém só saiu para fazer missões quando foi perseguida. Isso se deu logo após o martírio de Estevão, quando, principalmente, o pessoal ligado a Estevão é caçado (O livro de Paulo, de Walter Wangerin, Editora Mundo Cristão) e chega a Samaria e Antioquia pregando o Evangelho. São eles que começam a pregar aos gentios.
Já a Antioquia nasce sob o signo da missão. Os seus presbíteros já trazem em si essa marca, são oriundos de diferentes partes do mundo. Por isso, diferente do apóstolo Pedro, que relutou, os presbíteros de Antioquia são absolutamente abertos ao Espírito Santo, estão prontos para ceder os seus dois melhores homens para o serviço missionário: Barnabé e Paulo.
A Igreja em Jerusalém reluta em pregar aos gentios, a Igreja em Antioquia já tem gentios em seu Conselho.
A Igreja em Jerusalém sofre de preconceitos farisaicos, a de Antioquia tem a visão de Jesus Cristo para todos os homens de todas as raças, de todas as tribos, de todas as línguas, de todas as nações.
A Igreja de Jerusalém desapareceu, a Igreja de Antioquia se tornou a "mãe de todas as igrejas" porque, a partir do ministério de Paulo e dos seus discípulos, isso sem contar o que Barnabé deve ter feito com Marcos, cuja memória perdemos, tem-se o desenvolvimento do Evangelho por toda a Europa e Ásia e, conseqüentemente, por todo o mundo.
Essa diferença aparece na formação das escrituras, a grande maioria dos livros que compõem o Novo Testamento foi escrita por missionários de Antioquia. Igreja que se centraliza em missões é Igreja que influencia, que muda, que faz e fica na história. E essa história começa com a visão que se tem do missionário.
Jerusalém via os missionários como uma espécie de aventureiros - e criticou seu líder quando este foi nisso envolvido pelo Espírito Santo. Antioquia via os missionários como os seus melhores homens.
terça-feira, 3 de agosto de 2010
O que levou a igreja em Antioquia a fazer Missões
por John R. W. Stott
Em Atos 13 o horizonte de Lucas se alarga pois o nome de Jesus seria maciçamente testemunhado além da Judéia e Samaria. A partir de Antioquia chegaria aos confins da terra. Os dois diáconos evangelistas prepararam o caminho. Estevão através de seu ensino e martírio, Filipe através de sua evangelização ousada junto aos samaritanos e ao etíope. O mesmo efeito tiveram as duas principais conversões relatadas por Lucas, a de Saulo, que também fora comissionado a ser o apóstolo dos gentios, e a de Cornélio, através do apóstolo Pedro. Evangelistas anônimos também pregaram o evangelho aos “helenistas” em Antioquia. Mas sempre a ação esteve limitada à Palestina e à Síria. Ninguém tinha tido a visão de levar as boas novas às nações além mar, apesar de Chipre ter sido mencionada em Atos 11:19. Agora, finalmente, vai ser dado esse passo significativo.
A população cosmopolita de Antioquia se refletia nos membros de sua igreja e até mesmo em sua liderança, que consistia em cinco profetas e mestres que moravam na cidade. Lucas não explica a diferença entre esses ministérios, nem se todos os cinco exerciam ambos os ministérios ou se os primeiros três eram profetas e os últimos dois mestres. Ele só nos dá os seus nomes. O primeiro era Barnabé, que foi descrito com “um levita, natural de Chipre” (Atos 4:36). O segundo era Simeão que tinha o sobrenome de Níger, que significa Negro, provavelmente um africano e supostamente ninguém menos que Simão Cireneu, que carregou a cruz para Jesus. O terceiro era Lúcio de Cirene e alguns conjecturam que Lucas se referia a si mesmo o que é muito improvável já que ele preserva seu anonimato em todo o livro. Havia também Manaém, em grego chamado o “syntrophos” de Herodes o tetrarca, isto é, de Herodes Antipas, filho de Herodes o Grande. A palavra pode significar que Manaém foi “criado” com ele de forma geral ou mais especificamente que era seu irmão de leite. O quinto líder era Saulo. Estes cinco homens simbolizavam a diversidade étnica e cultural de Antioquia e da própria igreja.
Foi quando eles estavam “servindo ao Senhor, e jejuando” que o Espírito Santo lhes disse: “separai-me agora a Barnabé e a Saulo para a obra a que os tenho chamado” (At.13:2). Algumas perguntas precisam ser respondidas.
A quem o Espírito Santo revelou a sua vontade? Quem eram “eles”, as pessoas que estavam jejuando e orando?
Parece-me improvável que devamos restringi-los ao pequeno grupo dos cinco líderes, pois isso implicaria em três deles serem instruídos acerca dos outros dois. É mais provável que se referia aos membros da igreja como um todo já que eles e os líderes são mencionados juntos no versículo 1 de Atos 13. Também em Atos 14:26-27, quando Paulo e Barnabé retornam, prestam conta a toda a igreja por terem sido comissionados por ela. Possivelmente Paulo e Barnabé já possuíam anterior convicção do chamado de Deus e esta verdade foi aqui revelada para toda a igreja.
Qual o conteúdo da revelação do Espírito Santo à Igreja em Antioquia?
Foi algo muito vago e possivelmente nos ensina que devemos nos contentar com as instruções de Deus para o dia de hoje. A instrução do Espírito Santo foi “separai-me agora a Barnabé e a Saulo para a obra a que os tenho chamado”, muito semelhante ao chamado de Abrão: “vai para a terra que te mostrarei”. Na verdade em ambos os casos o chamado era claro mas a terra e o país não.
Precisamos observar também que tanto Abrão como Saulo e Barnabé precisariam, para obedecerem a Deus, darem um passo de fé.
Como foi revelado o chamado de Deus?
Não sabemos. O mais provável é que Deus tenha falado à igreja através de um de seus profetas. Mas seu chamado também poderia ter sido interno e não externo, ou seja, através do testemunho do Espírito em seus corações e mentes. Independente de como o receberam, a primeira reação deles foi a de orar e jejuar, em parte, ao que parece, para testar o chamado de Deus e em parte para interceder pelos dois que seriam enviados. Notamos que o jejum não é mencionado isoladamente. Ele é ligado ao culto e à oração, pois raras vezes, ou nunca, o jejum é um fim em si mesmo. O jejum é uma ação negativa em relação a uma função positiva. Então jejuando e orando, ou seja, prontos para a obediência, “impondo sobre eles as mãos os despediram”.
Isto não era uma ordenação ao ministério muito menos uma nomeação para o apostolado já que Paulo insiste que seu apostolado não era da parte de homens, mas sim uma despedida, comissionando-os para o serviço missionário.
Quem comissionou os missionários?
De acordo com Atos 13:4 Barnabé e Saulo foram enviados pelo Espírito Santo que anteriormente havia instruído a igreja no sentido de separá-los para ele. Mas de acordo com o versículo seguinte foi a igreja que, após a imposição de mãos, os despediu. É verdade que o último verbo pode ser entendido como “deixou-os ir”, livrando-os de suas responsabilidades de ensino na igreja, pois às vezes Lucas usa o verbo “adulou” no sentido de soltar. Mas ele também o usa no sentido de dispensar. Portanto creio que seria certo dizer que o Espírito os enviou instruindo a igreja a fazê-lo e que a igreja os enviou, por ter recebido instruções do Espírito. Esse equilíbrio é sadio e evita ambos os extremos. O primeiro é a tendência para o individualismo pelo qual uma pessoa alega direção pessoal e direta do Espírito sem nenhuma referência à igreja. O segundo é a tendência para o institucionalismo, pelo qual todas as decisões são tomadas pela igreja sem nenhuma referência ao Espírito.
Conclusão
Não há indícios para crermos que Saulo e Barnabé eram voluntários para o trabalho missionário. Eles foram enviados pelo Espírito através da igreja. Portanto cabe a toda igreja local, e em especial aos seus líderes, ser sensível ao Espírito Santo, a fim de descobrir a quem ele está concedendo dons ou chamado.
Chamado missionário não é um ato voluntário, é uma obediência à visão do Senhor.
Assim precisamos evitar o pecado da omissão ao deixarmos de enviar ao campo aqueles irmãos com clara convicção de que foram chamados por Deus, bem como a precipitação de o fazermos com outros que possuem os dons para tal, mas sem confirmação do Espírito à igreja.
O equilíbrio é ouvir o Espírito, obedecê-lo e fazer da igreja local um ponto de partida para os confins da terra.
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Sobre o autor: John R. W. Stott pastoreou por vários anos a Igreja de All Souls em Londres. É diretor do London Institute for Contemporary Christianity e autor de diversos livros como “A mensagem do sermão do Monte”, “A mensagem de Efésios” e “Crer é também Pensar”.
Em Atos 13 o horizonte de Lucas se alarga pois o nome de Jesus seria maciçamente testemunhado além da Judéia e Samaria. A partir de Antioquia chegaria aos confins da terra. Os dois diáconos evangelistas prepararam o caminho. Estevão através de seu ensino e martírio, Filipe através de sua evangelização ousada junto aos samaritanos e ao etíope. O mesmo efeito tiveram as duas principais conversões relatadas por Lucas, a de Saulo, que também fora comissionado a ser o apóstolo dos gentios, e a de Cornélio, através do apóstolo Pedro. Evangelistas anônimos também pregaram o evangelho aos “helenistas” em Antioquia. Mas sempre a ação esteve limitada à Palestina e à Síria. Ninguém tinha tido a visão de levar as boas novas às nações além mar, apesar de Chipre ter sido mencionada em Atos 11:19. Agora, finalmente, vai ser dado esse passo significativo.
A população cosmopolita de Antioquia se refletia nos membros de sua igreja e até mesmo em sua liderança, que consistia em cinco profetas e mestres que moravam na cidade. Lucas não explica a diferença entre esses ministérios, nem se todos os cinco exerciam ambos os ministérios ou se os primeiros três eram profetas e os últimos dois mestres. Ele só nos dá os seus nomes. O primeiro era Barnabé, que foi descrito com “um levita, natural de Chipre” (Atos 4:36). O segundo era Simeão que tinha o sobrenome de Níger, que significa Negro, provavelmente um africano e supostamente ninguém menos que Simão Cireneu, que carregou a cruz para Jesus. O terceiro era Lúcio de Cirene e alguns conjecturam que Lucas se referia a si mesmo o que é muito improvável já que ele preserva seu anonimato em todo o livro. Havia também Manaém, em grego chamado o “syntrophos” de Herodes o tetrarca, isto é, de Herodes Antipas, filho de Herodes o Grande. A palavra pode significar que Manaém foi “criado” com ele de forma geral ou mais especificamente que era seu irmão de leite. O quinto líder era Saulo. Estes cinco homens simbolizavam a diversidade étnica e cultural de Antioquia e da própria igreja.
Foi quando eles estavam “servindo ao Senhor, e jejuando” que o Espírito Santo lhes disse: “separai-me agora a Barnabé e a Saulo para a obra a que os tenho chamado” (At.13:2). Algumas perguntas precisam ser respondidas.
A quem o Espírito Santo revelou a sua vontade? Quem eram “eles”, as pessoas que estavam jejuando e orando?
Parece-me improvável que devamos restringi-los ao pequeno grupo dos cinco líderes, pois isso implicaria em três deles serem instruídos acerca dos outros dois. É mais provável que se referia aos membros da igreja como um todo já que eles e os líderes são mencionados juntos no versículo 1 de Atos 13. Também em Atos 14:26-27, quando Paulo e Barnabé retornam, prestam conta a toda a igreja por terem sido comissionados por ela. Possivelmente Paulo e Barnabé já possuíam anterior convicção do chamado de Deus e esta verdade foi aqui revelada para toda a igreja.
Qual o conteúdo da revelação do Espírito Santo à Igreja em Antioquia?
Foi algo muito vago e possivelmente nos ensina que devemos nos contentar com as instruções de Deus para o dia de hoje. A instrução do Espírito Santo foi “separai-me agora a Barnabé e a Saulo para a obra a que os tenho chamado”, muito semelhante ao chamado de Abrão: “vai para a terra que te mostrarei”. Na verdade em ambos os casos o chamado era claro mas a terra e o país não.
Precisamos observar também que tanto Abrão como Saulo e Barnabé precisariam, para obedecerem a Deus, darem um passo de fé.
Como foi revelado o chamado de Deus?
Não sabemos. O mais provável é que Deus tenha falado à igreja através de um de seus profetas. Mas seu chamado também poderia ter sido interno e não externo, ou seja, através do testemunho do Espírito em seus corações e mentes. Independente de como o receberam, a primeira reação deles foi a de orar e jejuar, em parte, ao que parece, para testar o chamado de Deus e em parte para interceder pelos dois que seriam enviados. Notamos que o jejum não é mencionado isoladamente. Ele é ligado ao culto e à oração, pois raras vezes, ou nunca, o jejum é um fim em si mesmo. O jejum é uma ação negativa em relação a uma função positiva. Então jejuando e orando, ou seja, prontos para a obediência, “impondo sobre eles as mãos os despediram”.
Isto não era uma ordenação ao ministério muito menos uma nomeação para o apostolado já que Paulo insiste que seu apostolado não era da parte de homens, mas sim uma despedida, comissionando-os para o serviço missionário.
Quem comissionou os missionários?
De acordo com Atos 13:4 Barnabé e Saulo foram enviados pelo Espírito Santo que anteriormente havia instruído a igreja no sentido de separá-los para ele. Mas de acordo com o versículo seguinte foi a igreja que, após a imposição de mãos, os despediu. É verdade que o último verbo pode ser entendido como “deixou-os ir”, livrando-os de suas responsabilidades de ensino na igreja, pois às vezes Lucas usa o verbo “adulou” no sentido de soltar. Mas ele também o usa no sentido de dispensar. Portanto creio que seria certo dizer que o Espírito os enviou instruindo a igreja a fazê-lo e que a igreja os enviou, por ter recebido instruções do Espírito. Esse equilíbrio é sadio e evita ambos os extremos. O primeiro é a tendência para o individualismo pelo qual uma pessoa alega direção pessoal e direta do Espírito sem nenhuma referência à igreja. O segundo é a tendência para o institucionalismo, pelo qual todas as decisões são tomadas pela igreja sem nenhuma referência ao Espírito.
Conclusão
Não há indícios para crermos que Saulo e Barnabé eram voluntários para o trabalho missionário. Eles foram enviados pelo Espírito através da igreja. Portanto cabe a toda igreja local, e em especial aos seus líderes, ser sensível ao Espírito Santo, a fim de descobrir a quem ele está concedendo dons ou chamado.
Chamado missionário não é um ato voluntário, é uma obediência à visão do Senhor.
Assim precisamos evitar o pecado da omissão ao deixarmos de enviar ao campo aqueles irmãos com clara convicção de que foram chamados por Deus, bem como a precipitação de o fazermos com outros que possuem os dons para tal, mas sem confirmação do Espírito à igreja.
O equilíbrio é ouvir o Espírito, obedecê-lo e fazer da igreja local um ponto de partida para os confins da terra.
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Sobre o autor: John R. W. Stott pastoreou por vários anos a Igreja de All Souls em Londres. É diretor do London Institute for Contemporary Christianity e autor de diversos livros como “A mensagem do sermão do Monte”, “A mensagem de Efésios” e “Crer é também Pensar”.
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