Santo é aquele que exagera o que o mundo negligencia. G. K. Chesterton
J. B. Phillips traduziu as bem-aventuranças que se aplicam ao reino deste mundo:
Felizes os “intrometidos”: pois subirão a postos elevados no mundo.
Felizes os que têm pavio curto: pois nunca permitirão que a vida os machuque.
Felizes os que se queixam: pois conseguem fazer o que querem no final.
Felizes os blasés: pois nunca se preocupam com os seus pecados.
Felizes os escravizadores: pois obterão resultados.
Felizes os homens notáveis deste mundo: pois se aproveitam das circunstâncias.
Felizes os perturbadores: pois são notados pelos outros.
A sociedade moderna vive por regras de sobrevivência dos mais capacitados. “Aquele que morre com mais brinquedos é o vencedor”, diz a frase de um pára-choque. Da mesma forma a nação com as melhores armas e com o maior PIB.
As bem-aventuranças expressam com bastante clareza que Deus avalia este mundo por um conjunto de lentes. Deus parece preferir os pobres e os que choram, à Loteria Federal e aos supermodelos que se divertem na praia. É estranho, Deus pode preferir a América Latina do Centro e do Sul à praia de Malibu, e Ruanda a Monte Carlo. Na verdade, poder-se-ia colocar um subtítulo no sermão do monte, não a “sobrevivência dos mais aptos”, mas o “triunfo das vítimas”.
Diversas cenas nos evangelhos apresentam um bom quadro do tipo de pessoas que impressionou Jesus. Uma viúva que colocou seus últimos dois centavos como oferta. Um desonesto cobrador de impostos tão arrasado pela ansiedade que subiu em uma árvore para ter uma visão melhor de Jesus. Uma criança sem nome, sem descrição. Uma mulher com uma fileira de casamentos infelizes. Um mendigo cego. Uma adúltera. Um homem com lepra. A força, a boa aparência, as boas relações e um instinto competitivo podem trazer o sucesso para uma pessoa em uma sociedade como a nossa, mas são exatamente aquelas qualidades que bloqueiam a entrada no reino do céu. A dependência, a tristeza, o arrependimento, um anseio de mudar — esses são os portões para o reino de Deus.
“Bem-aventurados os pobres de espírito”, disse Jesus. Um comentário traduz para “Bem-aventurados os desesperados”. Não tendo a quem buscar, os desesperados se voltam para Jesus, o único que pode oferecer a libertação por que anseiam. Jesus realmente cria que uma pessoa pobre de espírito, ou chorosa, ou perseguida, ou faminta e sedenta da justiça tem uma “vantagem” especial sobre o restante de nós. Talvez, apenas talvez, a pessoa desesperada clame a Deus pedindo ajuda. Nesse caso, essa pessoa é verdadeiramente bem-aventurada.
Os estudiosos católicos cunharam a expressão “a opção de Deus pelos pobres”, em referência a um fenômeno que encontraram no Antigo e no Novo Testamento: a parcialidade de Deus para com os pobres e os prejudicados. Por que Deus destacaria os pobres para atenção especial em detrimento de qualquer outro grupo?, eu ficava imaginando. O que “faz os pobres merecerem a preocupação de Deus? Recebi ajuda nessa pergunta de uma escritora chamada Monika Hellwig, que faz uma lista das seguintes “vantagens” de ser pobre:
1. Os pobres sabem que têm premente necessidade de redenção.
2. Os pobres reconhecem não apenas sua dependência de Deus e de gente poderosa como também sua interdepen¬dência uns dos outros.
3. Os pobres depositam a segurança não nas coisas, mas nas pessoas.
4. Os pobres não têm um senso exagerado de sua própria importância e nenhuma necessidade exagerada de privaci¬dade.
5. Os pobres esperam pouco da competição e muito da coope¬ração.
6. Os pobres conseguem distinguir entre necessidade e luxo.
7. Os pobres podem esperar, porque adquiriram uma espécie de paciência obstinada nascida de uma dependência reconhecida.
8. Os temores dos pobres são mais realistas e menos exage¬rados, porque já sabem que a pessoa pode sobreviver a grandes sofrimentos e necessidades.
9. Quando os pobres ouvem a pregação do evangelho, ele soa como boas novas e não como uma ameaça ou repre¬ensão.
10. Os pobres podem reagir ao apelo do evangelho com certo abandono e com uma inteireza descomplicada porque têm tão pouco a perder e estão prontos para tudo.
Em suma, não por escolha própria — podem intensamente desejar o contrário —, as pessoas pobres encontram-se em uma postura que se encaixa na graça de Deus. Em sua condição de necessidade, de dependência e de insatisfação com a vida, podem dar boas vindas ao livre dom do amor de Deus.
Philip Yancey _ O Jesus que eu nunca conheci